A mais tradicional escola de Dança do Ventre da região de Campinas

A mais tradicional escola de Dança do Ventre da região de Campinas
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quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Você aluna entra numa escola de dança do ventre e a sua professora conta aquela velha ladainha do Egito e que ventre é só coisa de mulher, blá e blá e mais blá, mas como você não é ingênua, já sabe que diploma na parede até você pode ter mais que ela, resolve pesquisar e depara com um texto desse, o que você faz?

Homens na Dança do Ventre

 Por Fran Braga Bagoas_by_theband‘‘Preconceito é um fardo que confunde o passado, ameaça o futuro e torna o presente inacessível.’’ Maya Angelou
Este é um assunto um tanto quanto polêmico e carregado de preconceitos, justamente por isto eu resolvi falar sobre ele! Eu sabia que ia aprender muita coisa estudando para esta publicação no blog, mas não imaginava que ia me deparar com tantos aspectos conflituosos, dentre os quais listei algumas palavras-chave para representá-los: sexismo; machismo; colonialismo, racismo; ausência do reconhecimento da arte, ausência de estudos e conhecimentos prévios, doutrina.
Busquei por estudos para tratar os aspectos listados acima  no texto a seguir! Espero que gostem e reflitam!
Depois de ler inúmeros comentários sem embasamento do tipo: ‘‘esta arte é unicamente privilégio de nós mulheres, pois somos nós que temos ventre e acho que homem nenhum deve dançá-la já que somente nós mulheres temos a dádiva divina de gerar uma vida em nosso ventre, por tanto sou contra!”
Em primeiro lugar acho importante esclarecer o conceito de ventre, que, de acordo com o dicionário Aurélio, define-se como:
s.m. Parte do corpo onde estão alojados o estômago, o intestino, o fígado, o pâncreas, a bexiga etc.; abdome, barriga. / O útero: ventre materno. / Fig. Parte central; âmago: ventre da terra. / Anatomia. Parte média e mais ou menos volumosa de certos músculos. / Física. Num sistema de ondas estacionárias, ponto de alongamento máximo. // Prisão de ventre, dificuldade na defecação; constipação intestinal. // Soltura de ventre, diarréia.
Ou seja: homem também tem ventre!
Outra frase que encontrei e acho importante trazermos para discussão é a seguinte: ”sou contra homem dançando DV sim, sou de família egípcia, tenho 11 irmãos e nenhum deles concordam com homens na dança do ventre. Somos contra qualquer modernismo que venha atrapalhar os nossos costumes ou invadir e estragar a nossa linda e maravilhosa cultura, a nossa história e tradição. Não existe homem na dança do ventre e nunca existiu! isso é modernismo gay.’’
Frase um tanto quanto sexista, não?!
Para esclarecê-la melhor trouxe a definição de Dança do Ventre apresentada por Anthony Shay no artigo de Cínthia Nepomuceno Xavier: ‘‘é uma dança solo, praticada por homens e mulheres, caracterizada pelas articulações do torso, especialmente os ombros e quadris, utilizando variados gêneros musicais e denominações. A elaboração da performance irá depender das habilidades de quem dança e do contexto, social e econômico, no qual é apresentada”
bagoaDiferentemente do que muitas pessoas dizem os homens dançavam e dançam dança do ventre tradicionalmente sim e, além disto, muitos dos movimentos que nós temos hoje na DV foram originados pelos homens. Por exemplo, movimentos de braços que eram feitos por homens nas danças de corte, se originaram a partir de uma forma de cumprimento suave feito pelos próprios homens árabes, e hoje em dia passaram a ser considerados movimentos femininos. Há também registro de homens dançando DV como uma homenagem aos deuses, pelas colheitas e pela prosperidade.
No PODCAST #19 (O Homem e a Dança) do site Sala de Dança, em entrevista com Lulu from Brasil, foi apresentado que encontra-se litografias que mostram homens dançando desde o século XIV. ”Encontrávamos bailarinos no Líbano, na Síria, na Turquia, na Pércia e eles também eram numerosos no Egito, até que um califa no Cairo, proclamou que eles eram foras da lei durante a invasão de Napoleão” disse Lulu. Este mesmo califa costurou mais de 300 dançarinas em um saco e as atirou no rio Nilo, porque um general francês disse que a existência delas era ofensiva. Mais tarde um Pacha exilou todas as dançarinas públicas para regiões do Egito que ainda hoje tem famílias ghawazee, para ‘’limpar’’ o Cairo antes da chegada dos ingleses.
Então, pós- colonialismo, muitos profissionais, homens e mulheres, perderam sua posição, porque estes lugares passaram a servir para agradar a nova sociedade emergente que era de europeus ou de pessoas que queriam se aproximar dos europeus. E o que eles queriam ver? Eles queriam ver bailarinas luxuosas com características europeias, ou seja com pele mais clara, cabelo liso. Escrevendo este trecho da pesquisa, me lembrei do texto escrito por minha amiga Maristela Rosa, que fala sobre a mulher negra na DV, onde ela coloca no ar a seguinte pergunta: de onde veio o padrão mulher branca com cabelo longo e liso na DV?
Tais europeus também diziam que os movimentos das ghawazee eram exagerados e bruscos, e não movimentos femininos.
Antes esta manifestação em forma de movimento era de todo mundo, mas os povos absorveram este racismo e sexismo dos europeus e os manteve até hoje. Então em muitos países africanos, onde tudo indica que a dança do ventre surgiu, homens e mulheres não podem mais se apresentar como faziam antes da colonização, agora o lugar é das mulheres de pele mais clara, que muitas vezes utilizam trajes que não são os tradicionais. Eu também me lembrei durante este estudo do post publicado por Carol Alzei, que fala sobre o preconceito enfrentado pelas mulheres que dançam no Cairo e apresenta, por exemplo, a Dina como uma das que consegue realizar seu trabalho de forma mais livre.
Cíthia Nepomuceno Xavier fala em seu estudo “…5, 6, 7, ∞… Do Oito ao Infinito: por uma dança sem ventre, performática, híbrida, impertinente” (2006) que quando esteve no Egito para realizar sua pesquisa de campo, encontrou muito mais homens que dançavam esse estilo de dança do que mulheres.
tito‘‘(…)E dançavam com roupas comuns do dia a dia, comemorando uma partida de futebol bem sucedida, aparecendo nos videoclipes da televisão interpretando conquistas com seus movimentos de quadris, dançando na privacidade do lar com seus familiares como forma de demonstrar alegria ou nas boates, executando exatamente os mesmos passos que eu aprendi em sala de aula.’’
Neste mesmo estudo, a autora demonstra que Para Anthony Shay a negação da dança do ventre masculina está relacionada ao período de dominação francesa e, principalmente, britânica que transformaram as mentalidades do povo egípcio, como já foi dito anteriormente .
Outros preconceitos OCIDENTAIS é a crença de que um homem hetero nunca dançaria a DV, e que caso ele dança-se ele seria homossexual. Independentemente de ser ou não, isto é motivo de gozação por parte muitas pessoas e por este preconceito muitos homens decidiram não se profissionalizar, o que inibiu muitos homens de praticar a dança até mesmo em seu próprio país.
Outra explicação para abordar porque nós somos tão preconceituosos, é a ausência da flexibilidade para se entender as diferenças entre os povos, na entrevista para o PODCAST, por exemplo, Lulu cita o que os portugueses fizeram com os índios do Brasil, de forma que hoje em dia nós conhecemos muito pouco sobre a dança, a linguagem e a cultura dos povos originais de nosso país, além de que muitos de nós olhamos para a cultura indígena ainda existente criticando suas vestes e modo de viver, mas não paramos para pensar que tudo isto partiu de conceitos trazidos pelos portugueses! E o que os britânicos fizeram no Egito foi nesta mesma linha de raciocínio.
Ainda neste PODCAST, Celia Daniele completa que haviam homens que dançavam, mas eles não eram o que chamamos de gays. No mundo árabe medieval, havia a noção de um terceiro gênero, que é o khanith, que são os homens afeminados, e eles eram aceitos na sociedade, a diferença era a relação sexual que não deveria ser consumada. Durante muitos períodos da história islâmica, as relações homoeróticas eram permitidas, desde que o passivo da relação fosse um efebo (pré-adolescente), porque era considerado como se ele não fosse um homem de verdade. Os dançarinos podiam dançar como mulheres, mas não terem relações sexuais ou qualquer conotação sexual em sua dança.
Essa visão sexualizada da dança do ventre vem com a presença europeia. Em Nosharéns, na Era de Ouro do Islã Clássico, homens e mulheres também dançavam. A sua atividade não era com fins sexuais (claro que existiam exceções, vide o poeta árabe gay Abu Nuwas), mas para entretenimento. Um dançarino era tão valorizado quanto uma dançarina, e muitas vezes, nos grupos onde havia certa misoginia e conservadorismo, não havia dançarinas, apenas homens dançando.
A partir do séc. XIII do calendário cristão, começou a haver um certo declínio da produção filosófica no mundo árabe, o conservadorismo se exacerbou, as mulheres começaram a ser relegadas em segundo plano, a ponto de ignorarem sua sexualidade, e aos homens foi exigido um modelo machista que resiste até hoje, não só entre os orientais, mas entre os ocidentais também. Dança do ventre passou a ser prática de sharmuta, e homens dançarinos do ventre passaram a ser vistos como pervertidos. Se olharmos para a dança como entretenimento, da mesma forma que nos séc. IX ao XII veremos que os homens dançavam para divertir as pessoas e não para realizar fantasias sexuais!
A presença masculina na dança do ventre é um tabu OCIDENTAL, não oriental, que deve ser quebrado! Se você não gosta, não assista, mas respeite! Hoje em dia vários homens dançam muito bem, sendo muito melhores do que muitas as mulheres em técnica e desenvoltura. O que deve nos encantar são danças com qualidade e não o gênero de quem está dançando. Quanto as roupas, muitas dançarinas criticam as roupas que alguns homens usam em sua apresentação, mas roupas bizarras são usadas tanto por alguns homens, quanto por algumas mulheres e nós não devemos estereotipar isto.544733_4837228288299_2080741901_n
O que é dançar? A dança é a expressão da alma!


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